segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Onze

Eram dez e meia, e a estática do ar estava repleta de expectativas e promessas. Eles tinham que encontrar, às onze, uma amiga que os esperava numa das esquinas perdidas da avenida paulista. Mas ainda havia tempo para se respirar um pouco do ar que saia dos pulmões de cada um.
O quarto 11 ficava no térreo. Havia um ventilador de teto que girava fracamente quase que desacelerando o tempo e enquanto girava fazia um leve barulho que trazia a sensação de conforto. As luzes estavam apagadas, mas pela janela, ou o que restava de frestas entre uma cortina e outra, a lua fingia-se de convidada e invadia o quarto. Mas aqueles corpos pareciam emanar luz própria.
Lá fora, o vento passeava frio e solitário. Gritando o lamento da solidão por entre lacunas estreitas. O mundo permanecia vivo fora do número 11, mas existia uma energia vital que se formava naquele espaço que ofuscava qualquer anúncio externo.
Os toques dados pareciam acender neles uma iluminação insana. Era quase um combustível que estava sendo preenchido através de beijos que se tornavam mais densos, com sensações que findavam o palpável.  A colcha trazia consigo o aviso de “100% algodão”, mas ela arranhava os dois como se fossem pedras. O desejo perdia-se por entre as fissuras e fibras do tecido. Único sobrevivente diante de tal encontro.
O despertador tocou às 23:00 como um pressagio do fim ou iminência de novos começos. Calçaram as botas como se disputassem quem calçaria primeiro. E saíram na pressa batendo a porta atrás de si e rodando a chave três vezes com um único movimento de mão.
Caminharam pela rua. O vento que passou na avenida, os viu de mãos dadas, correu em direção a eles e pareceu lhes cortar a face. Tudo dava indícios que a madrugada seria uma das mais frias. Sorte dos dois que possuíam com o que aquecer-se.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Arquivo de Memórias

Eu me vi sentado, era segunda. Estava revirando um arquivo de todos os momentos em que vivemos juntos e lembrei de todas as vezes que você me falou o quanto me achava único, enquanto eu imaginava que aquele olhar não poderia ser dado a mais ninguém. Sim, estava na pasta julho de 2003. Nós tínhamos 17 na época.
Acompanhamos a tecnologia juntos, e o que antes era registrado em meus diários passou a ficar condensando em um blog que eu o nomeei de “eternidade efêmera” em referência a todos os instantes que eu brincava de dizer que pareciam que não acabariam nunca até o momento de você se despedir e descer a rua para chegar em casa.
Acompanhamos o momento em que ambos nos assumimos para as nossas famílias. Lembrei da semana que você passou comigo aqui em casa, logo depois de ter sido expulso. Meus pais te chamavam de “filho” e você ficava tão feliz por se sentir cada vez mais parte de uma família que envolvesse a gente.
Vi você entrar na faculdade e você me acompanhou, por um ano, nas tentativas de entrar na Unicamp. E depois que eu passei, lembro do quanto você ficava assustado ao me ver indo e vindo nos voos para São Paulo. Não sabíamos se aquela vez que nos veríamos seria a última em que ainda nos chamaríamos de amor. Eu percebia sua cara quando eu arrumava as malas. Eu percebia os gritos que você tanto silenciou e, acredite, por dentro eu estava em pé de igualdade.
Mas a gente sobreviveu, passamos um tempo ainda morando juntos depois que você terminou a faculdade. Nossa, como era bom morar contigo novamente. Aguentar suas manias de limpeza, o cheiro de fumaça que teimava ficar em você depois de uma saída na varanda e a forma como você ficava só de camisa na hora de dormir.
Seu chocolate preferido ainda é charge? Você ainda tenta experimentar novos sabores de chá quando vai naquela cafeteria? Você ainda nutre os planos que me contava na época? Você ainda acredita no melhor das pessoas? Eu nunca acreditei e sinceramente, permaneço sem religiões. O arquivo de 2010 é o mais vivo. Costumava dizer que tinha sido o ano mais feliz das nossas conquistas. Alguns ventos tinham assolado o que a gente havia feito na horta que passamos a chamar de “nós”, mas eu não me mantive atento às precauções devidas.
Aos poucos via os insetos que se aproximavam a nossa volta. Aos poucos via o quanto você estava cansado de cuidar e rever o que eu não estava realizando. O que parecia ser novo não fixava raízes. O solo tornara-se infértil. Foram inúmeras as vezes em que tentamos adubar com conversas tudo aquilo que devia estar claro.
A distância que antes eu contava como desvantagem aparecia cada vez mais forte como uma das razões para não voltar cedo, uma das razões para ficar até tarde no trabalho. Se tornou uma dor chegar no nosso apartamento e não te encontrar, e maior ainda era quando você estava e eu conseguia ver o quanto estávamos perto do fim.
Aos poucos, fomos vendo que o que havia mudado não era a vontade de estar junto, e sim como estaríamos. Nossa, como eu te amava. Como nos amávamos. Mas parece que nem sempre esse sentimento é suficiente. Em 2012 decidimos dar um tempo, e esse tempo perdura até hoje.
Em momentos como esse, quando a temperatura cai e eu uso o moletom que era seu, tento imaginar como teria sido se houvéssemos tentado um pouco mais. Teríamos resolvido o que estava acontecendo? Não sei, talvez tenha sido melhor assim. Hoje ligo para você e conto qualquer coisa da minha vida, na esperança de saber mais da tua. Se ainda te amo? Claro, mas percebi que te ver feliz acabou por se tornar mais importante do que estarmos juntos.