Um dia eu
estava caminhando e decidi parar em frente à um pequeno duplex antigo, de onde
um jovem acabara de sair apressadamente. Mas a moradia havia me chamado mais a
atenção. Logo me veio em mente o que poderia ser desenvolvido a partir do que o
cenário mostrava. Estava ali, parado. A vida acontecia em todo um resto de
mundo que eu não conhecia e eu não conseguia tirar minha atenção do que eu
absorvia pelos olhos e transformava pela mente.
Não sei
explicar, mas existe uma imensidão de “eus” dentro de mim. Descrever aquela
casa seria como deixar o escritor que está na fila ao lado do eu que sonha,
passar e assumir o controle. E ele sempre pede passagem. Começaria então por
pequenas partes. Descreveria a porta vermelha, sua tinta estava descascando e
as partes que ainda tinham tinta estava cheia de ranhuras; como os lábios de
uma senhora, que mesmo após passar batom apresenta as marcas da idade.
Analisar o que
falar sobre o que estava sendo visto, seria um processo, pois o que é criar sem
escrever em linguagem pensante? E o que é a escrita sem organização de ideias? Continuando
a observar os detalhes, vi que a janela estava quebrada e preferi acreditar que
havia sido alguma criança distraída que a quebrou no meio de uma partida de
bola. Afinal, mesmo que quebrada haveria mais beleza encontrar sua razão na
inocência.
Algumas telhas
da casa estavam no chão da calçada como se quem as tirou houvesse esquecido de
colocá-las no lugar. Logo escrevi em mente que havia sido o vento, que assim
como o tempo brinca de levar as coisas e não trazê-las de volta.
Puxei um
caderno do bolso e comecei a rabiscar a forma que as janelas em disposição com
a porta formavam um sorriso. A cor azul da casa se transformava constantemente
em outras cores, dependendo do que as sinapses murmuravam. O tempo todo estava
eu perdido.
Sim, perdido.
Pois comecei a escrever. E escrever é assim mesmo, viver em constante estado de
perda. É pensar e se perder em pensamentos e metáforas necessárias ao
nascimento do que se põe no texto. É se perder em uma ideia até finalizá-la. É
se perder no meio do caminho e não achar saída, enchendo assim as gavetas. É
passar uma noite em claro porque um conto terminado é mais gratificante que
algumas horas de sono. É perder-se no que há de mais importante de si, o
pensamento.
Muitos que
escutam essas afirmações se questionam se tenho medo de viver assim, perdido
por causa de algo. Não, nunca tive.
Minha mente se tornou aquela casa, mesmo que eu saia dela e me perca, um
dia aprenderei a voltar.