segunda-feira, 4 de abril de 2016

Escrever é estar perdido

Um dia eu estava caminhando e decidi parar em frente à um pequeno duplex antigo, de onde um jovem acabara de sair apressadamente. Mas a moradia havia me chamado mais a atenção. Logo me veio em mente o que poderia ser desenvolvido a partir do que o cenário mostrava. Estava ali, parado. A vida acontecia em todo um resto de mundo que eu não conhecia e eu não conseguia tirar minha atenção do que eu absorvia pelos olhos e transformava pela mente.
Não sei explicar, mas existe uma imensidão de “eus” dentro de mim. Descrever aquela casa seria como deixar o escritor que está na fila ao lado do eu que sonha, passar e assumir o controle. E ele sempre pede passagem. Começaria então por pequenas partes. Descreveria a porta vermelha, sua tinta estava descascando e as partes que ainda tinham tinta estava cheia de ranhuras; como os lábios de uma senhora, que mesmo após passar batom apresenta as marcas da idade.
Analisar o que falar sobre o que estava sendo visto, seria um processo, pois o que é criar sem escrever em linguagem pensante? E o que é a escrita sem organização de ideias? Continuando a observar os detalhes, vi que a janela estava quebrada e preferi acreditar que havia sido alguma criança distraída que a quebrou no meio de uma partida de bola. Afinal, mesmo que quebrada haveria mais beleza encontrar sua razão na inocência.
Algumas telhas da casa estavam no chão da calçada como se quem as tirou houvesse esquecido de colocá-las no lugar. Logo escrevi em mente que havia sido o vento, que assim como o tempo brinca de levar as coisas e não trazê-las de volta.
Puxei um caderno do bolso e comecei a rabiscar a forma que as janelas em disposição com a porta formavam um sorriso. A cor azul da casa se transformava constantemente em outras cores, dependendo do que as sinapses murmuravam. O tempo todo estava eu perdido.
Sim, perdido. Pois comecei a escrever. E escrever é assim mesmo, viver em constante estado de perda. É pensar e se perder em pensamentos e metáforas necessárias ao nascimento do que se põe no texto. É se perder em uma ideia até finalizá-la. É se perder no meio do caminho e não achar saída, enchendo assim as gavetas. É passar uma noite em claro porque um conto terminado é mais gratificante que algumas horas de sono. É perder-se no que há de mais importante de si, o pensamento.

Muitos que escutam essas afirmações se questionam se tenho medo de viver assim, perdido por causa de algo. Não, nunca tive.  Minha mente se tornou aquela casa, mesmo que eu saia dela e me perca, um dia aprenderei a voltar. 

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