O impedimento artístico parou para uma visita. Entrou como se fosse
um conhecido que há muito não se via, sentou-se à mesa, puxou o
café e ficou como quem não quer nada. Mas conseguiu roubar minha
atenção, minha inspiração e a vontade de continuar o que estava
fazendo no momento em que chegou.
Ele encara e sinto-me exposto. Às vezes tudo o que eu queria era que
fosse esquecido por ele, mas a verdade é que só somos esquecidos
por aqueles que menos esperamos. Ele tenta ser engraçado, tirar o
clima de tensão do ar... mas é uma visita incômoda. Tento fazer
ele ir embora, coloco uma música para desanuviar os pensamentos,
converso sobre temas enfadonhos, fecho a cara e tento colocar a
vassoura detrás da porta do meu inconsciente, mas ele percebe.
Ele sabe quando não o quero e, por teimosia, brinca quando eu não
estou no pique. Contamina-me por coisas que eu não sabia que estavam
adormecidas em mim e que só ele pode canalizar com aquela visita.
É sempre um problema, o reconhecimento das normas de etiqueta e de
todos aqueles valores aprendidos com a família ficam à beira
do esquecimento. Você quer expulsar, mas é contra a ética ou
qualquer conceito social.
De repente, depois que perco todas as esperanças de fazer com que
ele perceba o quão inquietante pode ser, ele se levanta. Recolhe o
casaco e o chapéu, termina o último gole de café e despede-se com
um aceno breve.
A porta se fecha e parece que o alívio derruba a vassoura que ainda nem
foi colocada, e você reconhece todos os ruídos ao redor. A música
que estava perto do fim, após cansada de se repetir é substituída
por outra mais alegre. As janelas abertas ganham um novo sentido e
as metáforas aparecem como um pássaro que confundiu o seu ninho e,
após de muito voar, retorna.
Depois de um tempo você se pergunta por onde anda, pois passar a
vida sem certos incômodos é ir contra o destino. Mas você se
acalma, e produz o quanto pode. Fica feliz com uma frase, depois com
duas. Café é pouco para o que você pretende sentir e expulsar tudo
o que chega.
No ápice, a campainha toca. E você com um sorriso no rosto abre a
porta e o saúda com felicidade, pois, desta vez, você acabou de
terminar um texto.