sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Estranho

Ela estava na parada esperando corriqueiramente seu ônibus como esperara tantos outros naquela semana. Os fones possuíam melodias que a ajudavam a passar o tempo que parecia interminável na espera da volta para casa.
A música mudou e, como se tivesse adivinhado aquela passagem, chegou um rapaz de rosto aquilino que parou ao seu lado junto às primeiras batidas. Na mesma hora prendeu a respiração, os botões pensaram por si e ajeitou a postura. Não que o tivesse achado apenas bonito, mesmo que aos seus olhos fosse, mas tem certas pessoas que emanam uma energia que não é comunicável.
Ele carregava uma mochila gasta que parecia ter viajado por vários lugares do mundo. E de imediato ela imaginou o que aqueles olhos já haviam visto. Os óculos eram de armação tartaruga, lentes garrafais e faziam os olhos parecerem maiores. Será que seus olhos saltavam nas lentes quando se espantava?
O ônibus chegava e grande foi sua surpresa quando o braço do rapaz que estava ali já havia se erguido. O Deixou subir na frente para depois escolher aonde iria permanecer. Não escolheria ao seu lado, pois sua imaginação funciona melhor quando se afasta dos objetos analisados. Não queria conversar com ele. A imagem que estava criando de um viajante leitor de Mário de Andrade era boa demais para que perdesse em um diálogo.
A imagem que ela costumava criar das pessoas nunca a impediu de se aproximar ou deixar-se surpreender com o cumprimento ou não dos seus ideais, mas ele surgiu como um objeto de inspiração e deveria permanecer assim. Era mais prático. Mateus sentou-se perto do motorista, ela sentou-se 3 cadeiras atrás. Decidiu que o chamaria de Mateus quando pensasse em sua figura. Ele puxou seus fones e os colocou. Só então percebeu que havia música nos seus ouvidos e que esta havia cedido lugar ao barulho de sua mente inquieta.
A barba dele parecia estar por fazer. Ela o imaginou perdendo a hora de se barbear por ter deixado envolver-se por canções de um LP original de “Band on the Run” ou por ter passado horas lendo uma mesma poesia de Drummond que o deixou intrigado.
Sua camisa era de cores frias, que lhe remetiam a um personagem melancólico de Honoré. Ele tirou os óculos e suas olheiras eram densas como o café que tomara a pouco e ainda aquecia seu estômago. Café que teve gosto de vida, assim como todas as histórias que pulsavam em sua iminência de construção.
Seu cabelo era vivo e vermelho tal qual fogo e atraía a sua atenção como a luz atrai aos insetos no período noturno. Ela, em mente, estava se deparando com aquela luz de cara. Repetidas vezes.
Ele se levantou, puxou a corda para dar sinal de que ia descer e ela percebeu que sua nuca possuía tantos sinais quanto o céu possuía estrelas. E a forma com que quase caiu antes de descer do ônibus demonstrava fraquezas que até então não haviam aparecido em sua mente. E sorriu consigo mesma, afinal, mesmo tendo criando um personagem para ele, reconhecer suas fraquezas o fazia real.