Ela estava na parada esperando corriqueiramente seu ônibus como
esperara tantos outros naquela semana. Os fones possuíam melodias que a
ajudavam a passar o tempo que parecia interminável na espera da volta para
casa.
A música mudou e, como se tivesse adivinhado aquela passagem,
chegou um rapaz de rosto aquilino que parou ao seu lado junto às primeiras
batidas. Na mesma hora prendeu a respiração, os botões pensaram por si e
ajeitou a postura. Não que o tivesse achado apenas bonito, mesmo que aos seus
olhos fosse, mas tem certas pessoas que emanam uma energia que não é
comunicável.
Ele carregava uma mochila gasta que parecia ter viajado por
vários lugares do mundo. E de imediato ela imaginou o que aqueles olhos já
haviam visto. Os óculos eram de armação tartaruga, lentes garrafais e faziam os
olhos parecerem maiores. Será que seus olhos saltavam nas lentes quando se
espantava?
O ônibus chegava e grande foi sua surpresa quando o braço do
rapaz que estava ali já havia se erguido. O Deixou subir na frente para depois
escolher aonde iria permanecer. Não escolheria ao seu lado, pois sua imaginação
funciona melhor quando se afasta dos objetos analisados. Não queria conversar
com ele. A imagem que estava criando de um viajante leitor de Mário de Andrade
era boa demais para que perdesse em um diálogo.
A imagem que ela costumava criar das pessoas nunca a impediu de
se aproximar ou deixar-se surpreender com o cumprimento ou não dos seus ideais,
mas ele surgiu como um objeto de inspiração e deveria permanecer assim. Era
mais prático. Mateus sentou-se perto do motorista, ela sentou-se 3 cadeiras
atrás. Decidiu que o chamaria de Mateus quando pensasse em sua figura. Ele
puxou seus fones e os colocou. Só então percebeu que havia música nos seus
ouvidos e que esta havia cedido lugar ao barulho de sua mente inquieta.
A barba dele parecia estar por fazer. Ela o imaginou perdendo a
hora de se barbear por ter deixado envolver-se por canções de um LP original de
“Band on the Run” ou por ter passado horas lendo uma mesma poesia
de Drummond que o deixou intrigado.
Sua camisa era de cores frias, que lhe remetiam a um personagem
melancólico de Honoré. Ele tirou os óculos e suas olheiras eram densas como o
café que tomara a pouco e ainda aquecia seu estômago. Café que teve gosto de
vida, assim como todas as histórias que pulsavam em sua iminência de
construção.
Seu cabelo era vivo e vermelho tal qual fogo e atraía a sua
atenção como a luz atrai aos insetos no período noturno. Ela, em mente, estava
se deparando com aquela luz de cara. Repetidas vezes.
Ele se levantou, puxou a corda para dar sinal de que ia descer e
ela percebeu que sua nuca possuía tantos sinais quanto o céu possuía estrelas.
E a forma com que quase caiu antes de descer do ônibus demonstrava fraquezas
que até então não haviam aparecido em sua mente. E sorriu consigo mesma,
afinal, mesmo tendo criando um personagem para ele, reconhecer suas fraquezas o
fazia real.
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