segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Onze

Eram dez e meia, e a estática do ar estava repleta de expectativas e promessas. Eles tinham que encontrar, às onze, uma amiga que os esperava numa das esquinas perdidas da avenida paulista. Mas ainda havia tempo para se respirar um pouco do ar que saia dos pulmões de cada um.
O quarto 11 ficava no térreo. Havia um ventilador de teto que girava fracamente quase que desacelerando o tempo e enquanto girava fazia um leve barulho que trazia a sensação de conforto. As luzes estavam apagadas, mas pela janela, ou o que restava de frestas entre uma cortina e outra, a lua fingia-se de convidada e invadia o quarto. Mas aqueles corpos pareciam emanar luz própria.
Lá fora, o vento passeava frio e solitário. Gritando o lamento da solidão por entre lacunas estreitas. O mundo permanecia vivo fora do número 11, mas existia uma energia vital que se formava naquele espaço que ofuscava qualquer anúncio externo.
Os toques dados pareciam acender neles uma iluminação insana. Era quase um combustível que estava sendo preenchido através de beijos que se tornavam mais densos, com sensações que findavam o palpável.  A colcha trazia consigo o aviso de “100% algodão”, mas ela arranhava os dois como se fossem pedras. O desejo perdia-se por entre as fissuras e fibras do tecido. Único sobrevivente diante de tal encontro.
O despertador tocou às 23:00 como um pressagio do fim ou iminência de novos começos. Calçaram as botas como se disputassem quem calçaria primeiro. E saíram na pressa batendo a porta atrás de si e rodando a chave três vezes com um único movimento de mão.
Caminharam pela rua. O vento que passou na avenida, os viu de mãos dadas, correu em direção a eles e pareceu lhes cortar a face. Tudo dava indícios que a madrugada seria uma das mais frias. Sorte dos dois que possuíam com o que aquecer-se.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Arquivo de Memórias

Eu me vi sentado, era segunda. Estava revirando um arquivo de todos os momentos em que vivemos juntos e lembrei de todas as vezes que você me falou o quanto me achava único, enquanto eu imaginava que aquele olhar não poderia ser dado a mais ninguém. Sim, estava na pasta julho de 2003. Nós tínhamos 17 na época.
Acompanhamos a tecnologia juntos, e o que antes era registrado em meus diários passou a ficar condensando em um blog que eu o nomeei de “eternidade efêmera” em referência a todos os instantes que eu brincava de dizer que pareciam que não acabariam nunca até o momento de você se despedir e descer a rua para chegar em casa.
Acompanhamos o momento em que ambos nos assumimos para as nossas famílias. Lembrei da semana que você passou comigo aqui em casa, logo depois de ter sido expulso. Meus pais te chamavam de “filho” e você ficava tão feliz por se sentir cada vez mais parte de uma família que envolvesse a gente.
Vi você entrar na faculdade e você me acompanhou, por um ano, nas tentativas de entrar na Unicamp. E depois que eu passei, lembro do quanto você ficava assustado ao me ver indo e vindo nos voos para São Paulo. Não sabíamos se aquela vez que nos veríamos seria a última em que ainda nos chamaríamos de amor. Eu percebia sua cara quando eu arrumava as malas. Eu percebia os gritos que você tanto silenciou e, acredite, por dentro eu estava em pé de igualdade.
Mas a gente sobreviveu, passamos um tempo ainda morando juntos depois que você terminou a faculdade. Nossa, como era bom morar contigo novamente. Aguentar suas manias de limpeza, o cheiro de fumaça que teimava ficar em você depois de uma saída na varanda e a forma como você ficava só de camisa na hora de dormir.
Seu chocolate preferido ainda é charge? Você ainda tenta experimentar novos sabores de chá quando vai naquela cafeteria? Você ainda nutre os planos que me contava na época? Você ainda acredita no melhor das pessoas? Eu nunca acreditei e sinceramente, permaneço sem religiões. O arquivo de 2010 é o mais vivo. Costumava dizer que tinha sido o ano mais feliz das nossas conquistas. Alguns ventos tinham assolado o que a gente havia feito na horta que passamos a chamar de “nós”, mas eu não me mantive atento às precauções devidas.
Aos poucos via os insetos que se aproximavam a nossa volta. Aos poucos via o quanto você estava cansado de cuidar e rever o que eu não estava realizando. O que parecia ser novo não fixava raízes. O solo tornara-se infértil. Foram inúmeras as vezes em que tentamos adubar com conversas tudo aquilo que devia estar claro.
A distância que antes eu contava como desvantagem aparecia cada vez mais forte como uma das razões para não voltar cedo, uma das razões para ficar até tarde no trabalho. Se tornou uma dor chegar no nosso apartamento e não te encontrar, e maior ainda era quando você estava e eu conseguia ver o quanto estávamos perto do fim.
Aos poucos, fomos vendo que o que havia mudado não era a vontade de estar junto, e sim como estaríamos. Nossa, como eu te amava. Como nos amávamos. Mas parece que nem sempre esse sentimento é suficiente. Em 2012 decidimos dar um tempo, e esse tempo perdura até hoje.
Em momentos como esse, quando a temperatura cai e eu uso o moletom que era seu, tento imaginar como teria sido se houvéssemos tentado um pouco mais. Teríamos resolvido o que estava acontecendo? Não sei, talvez tenha sido melhor assim. Hoje ligo para você e conto qualquer coisa da minha vida, na esperança de saber mais da tua. Se ainda te amo? Claro, mas percebi que te ver feliz acabou por se tornar mais importante do que estarmos juntos.

domingo, 18 de outubro de 2015

Pedido de Desculpa

Fortaleza, 18 de outubro de 2015.


Queridos Leitores;

A todos aqueles que esperavam indiretas, ofereço minhas sinceras desculpas. Esta carta nada mais é que um exercício de escrita que advém de uma pequena reflexão após ter recebido diversas mensagens perguntando se o que eu escrevia se referia àquela tarde em que conheci Marcela ou ao final de semana em que passei numa casa de praia em 2009.
Gostaria de dizer que o que escrevi foi em busca da identificação de quem me lesse, e as associações geradas são de total responsabilidade de quem as faz, cabendo ao leitor decidir ao que deve se agarrar do texto. Mário de Andrade em uma de suas cartas a Drummond afirmou que sofria de “gigantismo epistolar” e tal qual ele me isento de culpa, uma vez que sinto muito mais do que as situações me permitem sentir e vivo intensamente tudo aquilo que passa a existir no campo de minhas emoções.
Gostaria de poder lhe confortar dizendo que sim, o que escrevi teve influências de algo que compartilhei com você. Mas cada linha escrita possui influências de tudo o que tive como referência na construção de quem sou. E seria injusto me limitar a uma memória turva, quando parece que tudo o que lembro já foi romantizado por algum escritor fantasma que arquiva minhas memórias. (Ah, quem me dera fosse Mário)
Sinta-se convidado a refletir, imaginar e criar tudo aquilo que possa ser desenvolvido através dessas postagens, mas tendo em mente que o que escrevi e escrevo fala de tudo o que sinto e gostaria que outros sentissem. E aos que torcem para que no fundo sejam indiretas, calma, um dia você vai abrir aquela velha ferramenta de mensagens chamada e-mail e vai ter algo escrito exclusivamente para você, nesse caso, se isente de dúvidas.

Um Grande Abraço.


Pedro Palácio

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Eu na Cidade

Diego acordou como se o peso das suas indagações estivera em cima do seu corpo a noite inteira. Revirou-se durante a madrugada e acordava de um sono tão interrupto quanto os ônibus que tomara naquela semana.
Foi até a janela e olhou para a cidade. Olhou para o horizonte que se deparava todas as manhãs e sentiu-se perdido. Onde se encaixaria naquela cidade? Existia um local escondido numa praça do centro em que seu nome estava escrito? No momento da descoberta, uma luz o banharia acompanhada de trilha sonora?
Calçou um chinelo e decidiu sair em busca de conhecer o espaço que sabia localizar, mas não se permitia viver. Desceu as ladeiras que levava até a beira do mar e começou a prestar atenção nos detalhes que passavam despercebidos pelos seus sentidos.
Nunca havia notado a quantidade de vezes que a palavra “mar” aparecia nos endereços da orla daquela cidade. Seria essa uma forma desses lugares encontrarem um espaço para si assim como ele procurava um lugar que pudesse chamar de seu?
Decidiu contar quantas vezes o “mar” aparecia nos letreiros e fachadas, assim como iria notar os detalhes das ruas e das pessoas que passassem. Cinco. Foi o número que gravou antes de atingir metade do percurso. Seguiu andando e as pessoas pareciam diferentes. Elas se diferenciavam naquele dia por ele estar olhando com novos olhos para a situação?
Treze.  Já se passaram muitos hotéis, restaurantes e pousadas. O mundo acontecia para as pessoas nesses espaços como estava acontecendo para ele? Respirou fundo, tirou um cigarro do bolso e acendeu com o número 19 em mente.
Achou um banco que repousava na sombra de um coqueiro e sentou-se enfiando os pés na areia que estava quente mesmo estando abrigada do sol. Tal qual sua mente, fumegando de ideias mesmo quando seu corpo agora descansava.
Desistiu de fumar no meio do cigarro como descartara sentimentos que lhe queimavam por dentro. Desejava, intimamente, conhecer milhares de lugares e em contrapartida não se dava ao trabalho de conhecer o local que chamava de lar. Afinal, não respondia “Fortaleza” quando lhe perguntavam de onde vinha? E como odiava aquelas perguntas. “Quais locais devo ir lá? ” “O que tem para se conhecer na sua cidade? ”.
- Com licença, que horas são moço? – Perguntou uma senhora sem tirar o canudo da água de coco da boca.
- Oito e Vinte.

Interrompido de seus pensamentos, decidiu voltar. Tinha saído para conhecer mais da cidade e acabou por descobrir curiosidades sobre si mesmo. Embora houvesse percebido que odiava determinadas perguntas que lhe arranjavam, odiava ainda mais as que ele mesmo se fazia.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Estranho

Ela estava na parada esperando corriqueiramente seu ônibus como esperara tantos outros naquela semana. Os fones possuíam melodias que a ajudavam a passar o tempo que parecia interminável na espera da volta para casa.
A música mudou e, como se tivesse adivinhado aquela passagem, chegou um rapaz de rosto aquilino que parou ao seu lado junto às primeiras batidas. Na mesma hora prendeu a respiração, os botões pensaram por si e ajeitou a postura. Não que o tivesse achado apenas bonito, mesmo que aos seus olhos fosse, mas tem certas pessoas que emanam uma energia que não é comunicável.
Ele carregava uma mochila gasta que parecia ter viajado por vários lugares do mundo. E de imediato ela imaginou o que aqueles olhos já haviam visto. Os óculos eram de armação tartaruga, lentes garrafais e faziam os olhos parecerem maiores. Será que seus olhos saltavam nas lentes quando se espantava?
O ônibus chegava e grande foi sua surpresa quando o braço do rapaz que estava ali já havia se erguido. O Deixou subir na frente para depois escolher aonde iria permanecer. Não escolheria ao seu lado, pois sua imaginação funciona melhor quando se afasta dos objetos analisados. Não queria conversar com ele. A imagem que estava criando de um viajante leitor de Mário de Andrade era boa demais para que perdesse em um diálogo.
A imagem que ela costumava criar das pessoas nunca a impediu de se aproximar ou deixar-se surpreender com o cumprimento ou não dos seus ideais, mas ele surgiu como um objeto de inspiração e deveria permanecer assim. Era mais prático. Mateus sentou-se perto do motorista, ela sentou-se 3 cadeiras atrás. Decidiu que o chamaria de Mateus quando pensasse em sua figura. Ele puxou seus fones e os colocou. Só então percebeu que havia música nos seus ouvidos e que esta havia cedido lugar ao barulho de sua mente inquieta.
A barba dele parecia estar por fazer. Ela o imaginou perdendo a hora de se barbear por ter deixado envolver-se por canções de um LP original de “Band on the Run” ou por ter passado horas lendo uma mesma poesia de Drummond que o deixou intrigado.
Sua camisa era de cores frias, que lhe remetiam a um personagem melancólico de Honoré. Ele tirou os óculos e suas olheiras eram densas como o café que tomara a pouco e ainda aquecia seu estômago. Café que teve gosto de vida, assim como todas as histórias que pulsavam em sua iminência de construção.
Seu cabelo era vivo e vermelho tal qual fogo e atraía a sua atenção como a luz atrai aos insetos no período noturno. Ela, em mente, estava se deparando com aquela luz de cara. Repetidas vezes.
Ele se levantou, puxou a corda para dar sinal de que ia descer e ela percebeu que sua nuca possuía tantos sinais quanto o céu possuía estrelas. E a forma com que quase caiu antes de descer do ônibus demonstrava fraquezas que até então não haviam aparecido em sua mente. E sorriu consigo mesma, afinal, mesmo tendo criando um personagem para ele, reconhecer suas fraquezas o fazia real.


segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Estação da Luz

- Licença moça, deixastes cair teu caderno.
- Ah, obrigada, há semanas que o deixo cair. Às vezes é por necessidade de que alguém encontre, mas hoje foi por desleixo mesmo. Ando tão preocupada esses dias...Obrigada.
- Essa foto, estava dentro.
- Esse era Carlos, faz três meses e ainda não o esqueci. Engraçado como esqueço das contas, dos compromissos, mas ele se faz presente em qualquer espaço do dia.
- Sei.
- Pois é, acho que é coisa de tempo. O senhor não acha? Vai pegar a linha amarela? Vou descer na estação da Luz. Estação da Luz. Tento entender o nome das coisas, mas nunca me lembro de procurar. Tá vendo? Mais uma coisa que esqueço. Mas o significado de Carlos eu já sei.
- Acho sim. Vou pegar a linha, mas vou descer mais adiante.
- Carlos significa “homem do povo” ou “homem livre”. Homem livre eu nem precisei pesquisar para saber, nunca parou em casa aquele patife. E em relação às mulheres. Bom, o senhor sabe como esses homens livres são. Não procuro ofender, mas vocês todos são um pouco assim.
- Mas...
- Tá vendo, já está em defesa da sua espécie. Sempre assim, a gente fala de um e vocês tomam as dores. Aliás, a previsão dizia que ia chover hoje. Esqueci o Guarda-Chuva.
- Eu tenho um aqui e não vou sair de onde estou indo. Quer o meu?
- Não, não. Foi assim que começou a história do esquecimento! Sempre tive alguém que se ofereceu diante do que eu não fiz e isso me acostumou a esquecer. Não aceitando, vou ser forçada a lembrar. Faz tempos que não tomo um bom banho de chuva. Se chover, vou aproveitar. Carlos não gostava da chuva e sempre colocava um guarda-chuva perto da porta. Já tinha me acostumado.
- Se faz três meses, já deveria ter acostumado-se a carregar consigo esses preparos.
- Ah, como se eu não soubesse. Mas veja, sempre esqueço de olhar a previsão do tempo. Hoje só aconteceu por eu ter achado engraçado o ícone nos aplicativos, e só então descobri para que aquele servia. Não ache que não entendo de tecnologia. Mas a previsão do tempo sempre foi me dada por alguém.
- Espero que lembre-se.
- A estação que vou descer é a próxima, desculpe-me. Qual o seu nome? Acho estranho perguntar logo de cara. Por exemplo. No metrô, para os estranhos sou Diana. Nas festas, sou Lara. Ontem mesmo fui Luiza na padaria. Acabo por achar que tem um pouco de cada uma dentro de mim. Como se isso fosse possível.
- Hoje sou Eduardo. Você?
- Não parei para pensar quem eu sou hoje. Me esqueci disso também. Acho que todo mundo esquece de olhar isso se não for lembrado por algo. Mas acho que sou Helena, sempre achei esse nome forte.
- Prazer Helena.
- Nunca entendi o significado de dizer prazer quando se conhece alguém. Já disse prazer para figuras indigestas e não me senti Helena quando fiz isso. Desço aqui. Obrigada pelo diálogo. Acho que vou lembrar de pesquisar o nome da estação hoje. Até mais, Eduardo.
- Até...

Ela não esperou pela resposta. Saiu às pressas como se, caso permanecesse, descobrissem seu verdadeiro nome. Até então, Eduardo (era seu nome?), estava tentando lembrar o que esquecera até ali. E Antes de lembrar, viu o caderno dela cair de novo enquanto o metrô começava a se afastar. E se esqueceu de lembrar o que tinha esquecido, porque ficou imaginando que nome ela daria para quem lhe devolvesse o caderno.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Constante viagem de mim mesmo

Uma vez um amigo me disse que gostava de viajar e dormir no percurso. Pelo que me confidenciava, sentia-se confortável na ideia do seu corpo estar em constante deslocamento até quando sua mente estava inconsciente e acordar sempre em locais mais distantes do início. De se deparar com novas paisagens e dar abertura ao que pudesse ser criado dentro do seu imaginário.
Em questão de segundos, ao ouvir aquelas palavras, comecei a recordar de todas as vezes que meu corpo viajou enquanto eu dormira e despertara em deslocamento. Sem ter tido consciência de que antes de tudo, era e sou constante viagem de mim mesmo.
Comparando o seu sono aos momentos em que me desligo ou aos momentos que me perco no silêncio entre uma ideia e outra. Sinto que gosto de viajar nessas estradas que minha mente oferece, de parar nas ideias que parecem ter sido frutos de pneus furados desse veículo pulsante que é a minha imaginação e trocar os pneus antigos por novos e prosseguir em novos raciocínios.
Gosto de viajar por dentro de mim sem datas para regresso, sem segundas-feiras ou compromissos. De dormir à noite imerso nas minhas problematizações e no dia seguinte perceber que esta viagem é constante – diária. Acho que parei de procurar respostas no deslocamento físico e procuro sentido nas perguntas e nas mudanças que o pensamento traz.
Cada vez que me percebo ou dou conta de onde estou, assim como meu amigo que se encontra em novos locais, percebo que posso estar perto ou distante de mim mesmo, dependendo do humor. As vezes distante de problemas, outras perto de repostas. Ou vice-versa. No passaporte do meu autoconhecimento, já tive vários carimbos. Mas assim como o mundo, há sempre locais a serem explorados, e da bagagem de conclusões que acumulei sempre deixo espaço na bagagem para as futuras viagens.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Falsos

Antes de começar a escrever, lembro de ter me perdido inúmeras vezes nos escritos de outros autores. Passava horas admirando blogs que tinham escritas próximas ao que eu sentia. Me encontrava nos textos de desconhecidos em algum Tumblr perdido ou habitava crônicas de jornais e contos por serem fugas rápidas para momentos que não dispunha de tempo para leituras maiores.
Lia estes textos admirando as construções frasais. Absorvia as metáforas como peneiras, deixando as palavras presas na rede e os sentimentos atingindo o outro lado. Passava dias com aquelas palavras a secar. Na peneira que se tornou meus pensamentos existem frases que permanecem até hoje.
Sempre tive receio em começar a sentir com as palavras. Acreditava que os autores deveriam escrever apenas daquilo que viviam. Pelo menos os autores que não criavam histórias fantásticas e se baseavam em construir suas escritas através do comum, do cotidiano. Em parte, estava enganado.
Aos poucos as palavras foram surgindo. Acordava pela manhã e imaginava que a forma como o sol desenhava pela minha janela faria um alguém que eu ainda não tive a oportunidade de conhecer ou criar, pensar sobre sentidos para dar a forma como enxerga o mundo.
Fui vivendo e conhecendo pessoas que realmente me inspiravam, que me causavam sentimentos e me faziam viver emoções que me transportavam para a situação que o sentimento pedia.
Nem sempre essas situações que aprendi a descrever foram reais. No fundo, são combinações de tudo o que já imaginei, sonhei, vivi e ainda vou viver. É uma tentativa de criar um lado poético até para coisas que de tão cruéis amarguraram dias e até meses. É uma forma de potencializar, a meu ver, situações. É traduzir às cegas em forma de palavras as sinapses – muitas vezes falhas – da emoção.
Ao terminar um texto, percebi que a ideia inicial e o sentimento retratado diferem muitas vezes do que eu escrevi, e que estive sendo falso, pois acabei escrevendo de sentimentos que não vivi. Acabei por fazer quem me lê acreditar que estou passando por tudo o que escrevo. Contudo, no fundo tudo foi criado, mas foi culpa da inspiração.
Esta vem e me usa. Me faz falsear e inventar situações. Me faz descobrir novos sentimentos. Me faz dar sentidos que não conheço às palavras e que passo a entender depois que vomito metáforas. Esta que aparece inquieta e se dá em todos os momentos, em todas as situações.
Ao culpar a inspiração não retiro minha parcela de culpa nessa produção. Afinal, eu sou meio e canal. Sou filtro. Sou mediador. Decido o que fica e o que sai. Mas tenho a mania de atuar. Tenho mania de usar o texto como teatro e através desse palco conduzir a atenção e fazer quem ler sentir. Se de fato isso eu consegui, apenas esperarei as cortinas fecharem pois se houve emoção, mesmo que não tenha acontecido, para o leitor foi real.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Olheiras

Minhas olheiras são lagos,
Lagos abertos para natação,
Nades neste espaço entre afagos,
Sob o conforto da proteção.

Descanse, liberte a mente,
Olhe para cima quando cansar,
Se olhar profundamente
Verás estrelas, nessa íris, a te iluminar.

domingo, 2 de agosto de 2015

Primeiro Cigarro


Antes de viverem o que viveram, Matheus não sabia verdadeiramente o que era fumar. Na vida, até então, já havia tido vários cigarros. Alguns demoraram a acabar, outros o queimaram - estes foram muitos. Houve os que o vento apagou mesmo quando tentava reacender. Alguns o deixaram calmo enquanto duraram, outros o fizeram perder o sono, mas, o cigarro que teve em uma madrugada de inverno com Luiz foi o mais genuíno.
Matheus sentia como se tivesse começado a tragar verdadeiramente naquela noite. Ele notava-se calmo, mas a percepção da grandiosidade dos efeitos veio na bituca. Foi enquanto dialogava com Luiz, em uma relação de intimidade que em nenhum momento pareceu forçada.
Na volta, Luiz dirigia enquanto a fumaça preenchia o espaço que os separavam. Matheus ascendeu um cigarro e observava ele sugando e queimando o que havia entre as mãos assim como fez com tudo o que foi dele naquela noite. A velocidade com que Luiz dirigia diminuía a cada placa, fato ao qual Matheus associou os beijos trocados, que transmitiram a ideia de que aquela noite não deveria ter fim. E se tivesse, que fosse daqueles em aberto onde o leitor possa imaginar vários desfechos.
Dentro de Matheus havia um desejo de que o tempo parasse da mesma forma como a atenção dele estacionava naquele ser ao seu lado. Desejou que realmente parasse por instantes suficientes para que eles tivessem tempo de contar todas marcas de nascença do corpo um do outro. Para que eles pudessem apreciar a forma como os sorrisos iam de encontro com as piadas que trocavam. Para que cessasse e ele pudesse ler toda a história de Luiz, histórias estas escritas dentro deles e só transmitidas pelo diálogo, pelo que se leu dos pensamentos em voz alta entre uma tragada e outra.
Diante de tantos pensamentos, sua mente começou a aquietar-se. O cigarro que ele tinha na mão estava chegando ao fim e ele não havia tragado uma vez sequer. Jogou pela janela junto com a tentativa de conter o medo que se formava por talvez não viver novamente nada parecido. Tentou sorrir, e seu sorriso pareceu um lamento. Luiz o perscrutou e quis saber se estava tudo bem.
– Sim – respondeu – Percebi que você foi o meu primeiro cigarro.
O ar entrava, mas a plenitude estava além da nicotina, ou qualquer substância. Estava em um ser.   

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Um dia de azar


Ele acordou, levantou da cama colocando inconscientemente o pé esquerdo no chão. Na mesma hora sentiu a espinha gelar, a cabeça doer e o espírito desanimar. O café daquele dia ficou aguado, as torradas que sua mãe fazia queimaram e o leiteiro não passou. Chegaram as cobranças, as memórias que tinha com Caio ficaram vívidas e era como se o cheiro das recordações estivesse engarrafado junto com o odorizador que havia sido passado na casa.
Na ida para a faculdade, se deparou com um trânsito caótico, chegou atrasado na aula de neorrealismo italiano e tinha que se preparar para um seminário sobre o assunto que seria apresentado na próxima aula. No intervalo percebeu que havia esquecido o dinheiro do seu café diário, por ter lembrado do cheiro dele, Caio. Na volta o pneu da bicicleta furou, chegou no quarto e ficou possesso pois haviam arrumado sua escrivaninha, tirou a camisa e percebeu que estava furada.
Foi dormir, sonhou com ele. Sonhou com a forma na qual ambos se movimentavam quando se comunicavam além das palavras. Sonhou com a maneira como ele coçava a garganta sempre que estavam em silêncio, como assanhava o próprio cabelo depois de acordar - acordou. Passou a tarde deitado, sem saber se havia realmente sonhado ou se tudo tinha sido uma projeção na sua mente de memórias que ele queria tanto reviver.
Não ligou a televisão, estava com medo de qualquer tragédia que pudesse ter acontecido enquanto estava imprestável em sua bolha de azar. Olhou para o relógio e viu que ainda eram cinco e quinze, exatamente a hora que se encontraram no primeiro encontro para esperar o sol se pôr no morro de trás da sua casa. Foi na cozinha, havia um recado na geladeira que informava sobre a falta de mantimentos.
Saiu para comprar comida, a roupa que usava era daquelas que se veste quando vai fazer maratona de filmes ou quando está tendo um péssimo dia e a última preocupação que passa pela cabeça é a merda da roupa escolhida. No meio do caminho ele parou, estava tão cercado nos próprios pensamentos que acabou fazendo o percurso da casa de Caio sem perceber, passou no mercado e correu para sua bolha, afinal, ele não sabia se ia chover se permanecesse mais tempo na rua.
Comprou tudo o que as mães não deixam os filhos pequenos comerem e começou a devorar tudo o que fosse digerível. No sofá estava e permaneceu, não lembrou no dia seguinte a hora em que dormiu, só sabia que devia estar no terceiro ou quarto álbum do Smiths quando isso aconteceu. Acordou no outro dia e inconscientemente levantou pisando os dois pés no chão e o seu sorriso foi instantâneo, entre a extrema sorte o extremo azar, ele preferia o equilíbrio.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Te levei comigo


Peguei uma passagem, dessa vez achava que era por mais tempo. Separei todas as roupas que tu falavas amar me ver usando e aquela mala azul que tu tanto havias pego emprestada. Acredito que foi na esperança de carregar um pouco de ti por onde fosse.
Ao chegar ao destino, me peguei a coletar coisas que certamente eram tentativas de me aproximar do teu olhar sobre mim, sobre a vida. Vi detalhes de prédios antigos que me fizeram imaginar como a curvatura dos teus lábios ficaria linda em um sorriso, se pudesses apreciar tudo que estou vivendo.
Espero, sinceramente, lembrar de ti através de todas essas coisas que tu tanto gostas e que agora me cercam. Acho que essa mania é só um capricho para manter vívida a sua presença nos meus pensamentos, caso, por um piscar de olhos, esqueça do teu cheiro, do teu olhar pensativo, da maneira como segura a fumaça do cigarro antes de soltar durante uma risada ou da forma que sua mão brinca nas minhas costas.
Te havia dito que iria me desconectar e desliguei o celular junto com as notificações. Me confiando na alegria em compartilhar pessoalmente tudo o que aconteceu no caminho. Vou saber como tu irás reagir a cada história que eu contar e o que tu vais contribuir de experiência, afinal, se eu mandasse mensagens de tudo, iria perder a expressão do teu rosto.
O pôr do sol me fez lembrar da forma como tu prendes a respiração para apreciar esses momentos, os cafés que tomei, os Souza Paiol que acendi e olhar para os meus sapatos e saber que tu que os comprou.
Fico feliz por sentir a tua falta, pois sei que teu pensamento passou por mim na ida e na volta. E mais feliz ainda quando chegar e te ver com braços abertos, um olhar choroso e saber que o que senti como um rio, tu sentias como um oceano. E passou-se um mês. Cheguei. Quando me perguntaram o que apreciei contei todos os detalhes, os pontos que visitei, os sentimentos que tive... mas só tu sabes que em pensamento, uma parte de mim sempre esteve aqui.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A menina que deixou de tomar banho para não pensar















      Marília era um daqueles modelos complicados: desde que saiu de fábrica os pais diziam que daria problemas. Cresceu cercada por todas as expectativas negativas que ouviu do seu comportamento. E, num vale de introspecção, ela se banhou.
Ela formou-se em direito, Magna Cum Laude, orgulho da família. “Quem diria que chegaria tão longe, quando parecia ser tão desajuizada”, diziam os parentes mais longínquos, no entanto, até então ela não havia parado para pensar que poderia ser antes de um problema para os outros, um problema para si mesma.
Ao voltar do trabalho, encontrou a palavra “problema” num desses cartazes publicitários que passam por a gente na vida. Chegou em casa, colocou a chave na mesa da sala como de costume e após livrar-se de tudo o que a cobria, foi ao chuveiro. Ela fechou os olhos e sua mente começou a pensar nos problemas. Logo, abriu as pálpebras e assustou-se com aquilo. Fechou os olhos novamente e com os novos problemas, uma pequena angústia cresceu no seu estômago junto com o sanduíche que havia comido no almoço. Sem saber porque pensava aquilo, agora queria respostas que o estudo e a experiência não lhe davam.
Desligou o chuveiro e, sem se secar, correu para a cama. Se cobriu e ficou de olhos abertos vendo o branco de seu lençol e aquilo a acalmou. Começou a achar que a água saída do chuveiro havia tirado as camadas que haviam por cima de todas aquelas indagações. Decidiu que não voltaria a se preocupar com isso e não pararia para pensar nos problemas de novo.
Começou a evitar o banho, os sinais de trânsito, as pausas para o café, as filas, as ligações de parentes e com um mês, já havia desistido de sair de casa. Muitos anos se passaram e no último bater das asas da vida, percebeu que não havia vivido por ter medo dos problemas.