segunda-feira, 27 de julho de 2015

Um dia de azar


Ele acordou, levantou da cama colocando inconscientemente o pé esquerdo no chão. Na mesma hora sentiu a espinha gelar, a cabeça doer e o espírito desanimar. O café daquele dia ficou aguado, as torradas que sua mãe fazia queimaram e o leiteiro não passou. Chegaram as cobranças, as memórias que tinha com Caio ficaram vívidas e era como se o cheiro das recordações estivesse engarrafado junto com o odorizador que havia sido passado na casa.
Na ida para a faculdade, se deparou com um trânsito caótico, chegou atrasado na aula de neorrealismo italiano e tinha que se preparar para um seminário sobre o assunto que seria apresentado na próxima aula. No intervalo percebeu que havia esquecido o dinheiro do seu café diário, por ter lembrado do cheiro dele, Caio. Na volta o pneu da bicicleta furou, chegou no quarto e ficou possesso pois haviam arrumado sua escrivaninha, tirou a camisa e percebeu que estava furada.
Foi dormir, sonhou com ele. Sonhou com a forma na qual ambos se movimentavam quando se comunicavam além das palavras. Sonhou com a maneira como ele coçava a garganta sempre que estavam em silêncio, como assanhava o próprio cabelo depois de acordar - acordou. Passou a tarde deitado, sem saber se havia realmente sonhado ou se tudo tinha sido uma projeção na sua mente de memórias que ele queria tanto reviver.
Não ligou a televisão, estava com medo de qualquer tragédia que pudesse ter acontecido enquanto estava imprestável em sua bolha de azar. Olhou para o relógio e viu que ainda eram cinco e quinze, exatamente a hora que se encontraram no primeiro encontro para esperar o sol se pôr no morro de trás da sua casa. Foi na cozinha, havia um recado na geladeira que informava sobre a falta de mantimentos.
Saiu para comprar comida, a roupa que usava era daquelas que se veste quando vai fazer maratona de filmes ou quando está tendo um péssimo dia e a última preocupação que passa pela cabeça é a merda da roupa escolhida. No meio do caminho ele parou, estava tão cercado nos próprios pensamentos que acabou fazendo o percurso da casa de Caio sem perceber, passou no mercado e correu para sua bolha, afinal, ele não sabia se ia chover se permanecesse mais tempo na rua.
Comprou tudo o que as mães não deixam os filhos pequenos comerem e começou a devorar tudo o que fosse digerível. No sofá estava e permaneceu, não lembrou no dia seguinte a hora em que dormiu, só sabia que devia estar no terceiro ou quarto álbum do Smiths quando isso aconteceu. Acordou no outro dia e inconscientemente levantou pisando os dois pés no chão e o seu sorriso foi instantâneo, entre a extrema sorte o extremo azar, ele preferia o equilíbrio.

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