Ele acordou,
levantou da cama colocando inconscientemente o pé esquerdo no chão. Na mesma
hora sentiu a espinha gelar, a cabeça doer e o espírito desanimar. O café
daquele dia ficou aguado, as torradas que sua mãe fazia queimaram e o leiteiro
não passou. Chegaram as cobranças, as memórias que tinha com Caio ficaram
vívidas e era como se o cheiro das recordações estivesse engarrafado junto com
o odorizador que havia sido passado na casa.
Na ida para
a faculdade, se deparou com um trânsito caótico, chegou atrasado na aula de
neorrealismo italiano e tinha que se preparar para um seminário sobre o assunto
que seria apresentado na próxima aula. No intervalo percebeu que havia
esquecido o dinheiro do seu café diário, por ter lembrado do cheiro dele, Caio.
Na volta o pneu da bicicleta furou, chegou no quarto e ficou possesso pois
haviam arrumado sua escrivaninha, tirou a camisa e percebeu que estava furada.
Foi
dormir, sonhou com ele. Sonhou com a forma na qual ambos se movimentavam quando se
comunicavam além das palavras. Sonhou com a maneira como ele coçava a garganta sempre que estavam em silêncio, como assanhava o próprio cabelo depois de
acordar - acordou. Passou a tarde deitado, sem saber se havia realmente
sonhado ou se tudo tinha sido uma projeção na sua mente de memórias que ele
queria tanto reviver.
Não ligou
a televisão, estava com medo de qualquer tragédia que pudesse ter acontecido
enquanto estava imprestável em sua bolha de azar. Olhou para o relógio e viu
que ainda eram cinco e quinze, exatamente a hora que se encontraram no primeiro
encontro para esperar o sol se pôr no morro de trás da sua casa. Foi na
cozinha, havia um recado na geladeira que informava sobre a falta de
mantimentos.
Saiu para
comprar comida, a roupa que usava era daquelas que se veste quando vai fazer
maratona de filmes ou quando está tendo um péssimo dia e a última preocupação
que passa pela cabeça é a merda da roupa escolhida. No meio do caminho ele
parou, estava tão cercado nos próprios pensamentos que acabou fazendo o
percurso da casa de Caio sem perceber, passou no mercado e correu para sua
bolha, afinal, ele não sabia se ia chover se permanecesse mais tempo na rua.
Comprou
tudo o que as mães não deixam os filhos pequenos comerem e começou a devorar
tudo o que fosse digerível. No sofá estava e
permaneceu, não lembrou no dia seguinte a hora em que dormiu, só sabia que devia
estar no terceiro ou quarto álbum do Smiths quando isso aconteceu. Acordou no
outro dia e inconscientemente levantou pisando os dois pés no chão e o seu sorriso
foi instantâneo, entre a extrema sorte o extremo azar, ele preferia o
equilíbrio.