segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Estação da Luz

- Licença moça, deixastes cair teu caderno.
- Ah, obrigada, há semanas que o deixo cair. Às vezes é por necessidade de que alguém encontre, mas hoje foi por desleixo mesmo. Ando tão preocupada esses dias...Obrigada.
- Essa foto, estava dentro.
- Esse era Carlos, faz três meses e ainda não o esqueci. Engraçado como esqueço das contas, dos compromissos, mas ele se faz presente em qualquer espaço do dia.
- Sei.
- Pois é, acho que é coisa de tempo. O senhor não acha? Vai pegar a linha amarela? Vou descer na estação da Luz. Estação da Luz. Tento entender o nome das coisas, mas nunca me lembro de procurar. Tá vendo? Mais uma coisa que esqueço. Mas o significado de Carlos eu já sei.
- Acho sim. Vou pegar a linha, mas vou descer mais adiante.
- Carlos significa “homem do povo” ou “homem livre”. Homem livre eu nem precisei pesquisar para saber, nunca parou em casa aquele patife. E em relação às mulheres. Bom, o senhor sabe como esses homens livres são. Não procuro ofender, mas vocês todos são um pouco assim.
- Mas...
- Tá vendo, já está em defesa da sua espécie. Sempre assim, a gente fala de um e vocês tomam as dores. Aliás, a previsão dizia que ia chover hoje. Esqueci o Guarda-Chuva.
- Eu tenho um aqui e não vou sair de onde estou indo. Quer o meu?
- Não, não. Foi assim que começou a história do esquecimento! Sempre tive alguém que se ofereceu diante do que eu não fiz e isso me acostumou a esquecer. Não aceitando, vou ser forçada a lembrar. Faz tempos que não tomo um bom banho de chuva. Se chover, vou aproveitar. Carlos não gostava da chuva e sempre colocava um guarda-chuva perto da porta. Já tinha me acostumado.
- Se faz três meses, já deveria ter acostumado-se a carregar consigo esses preparos.
- Ah, como se eu não soubesse. Mas veja, sempre esqueço de olhar a previsão do tempo. Hoje só aconteceu por eu ter achado engraçado o ícone nos aplicativos, e só então descobri para que aquele servia. Não ache que não entendo de tecnologia. Mas a previsão do tempo sempre foi me dada por alguém.
- Espero que lembre-se.
- A estação que vou descer é a próxima, desculpe-me. Qual o seu nome? Acho estranho perguntar logo de cara. Por exemplo. No metrô, para os estranhos sou Diana. Nas festas, sou Lara. Ontem mesmo fui Luiza na padaria. Acabo por achar que tem um pouco de cada uma dentro de mim. Como se isso fosse possível.
- Hoje sou Eduardo. Você?
- Não parei para pensar quem eu sou hoje. Me esqueci disso também. Acho que todo mundo esquece de olhar isso se não for lembrado por algo. Mas acho que sou Helena, sempre achei esse nome forte.
- Prazer Helena.
- Nunca entendi o significado de dizer prazer quando se conhece alguém. Já disse prazer para figuras indigestas e não me senti Helena quando fiz isso. Desço aqui. Obrigada pelo diálogo. Acho que vou lembrar de pesquisar o nome da estação hoje. Até mais, Eduardo.
- Até...

Ela não esperou pela resposta. Saiu às pressas como se, caso permanecesse, descobrissem seu verdadeiro nome. Até então, Eduardo (era seu nome?), estava tentando lembrar o que esquecera até ali. E Antes de lembrar, viu o caderno dela cair de novo enquanto o metrô começava a se afastar. E se esqueceu de lembrar o que tinha esquecido, porque ficou imaginando que nome ela daria para quem lhe devolvesse o caderno.

2 comentários:

  1. Sem ofensas, é o primeiro texto que gostei teu. Acho que deveria apostar mais em diálogos que em narração; diálogo talvez seja mais teu forte. Só queria deixar algumas pequenas observações, que podem ou não ser levadas em conta, a depender de qual foi sua intenção ao escrever, em termos estruturais.
    Tu começa o diálogo com uma fala bem formal do rapaz, conjugando o verbo em segunda pessoa e tudo. Mas, depois, ele vai aos poucos mudando essa postura e ficando cada vez mais informal, embora essa postura não se mantenha estável e varie entre formal e informal. Não sei se foi sem querer ou de propósito; de qualquer forma, talvez optar por uma postura ou outra talvez enriquecesse mais o texto.
    Exemplos de onde essa instabilidade acontece:"Se fazem três meses, já deveria ter se acostumado a carregar consigo esses preparos." Em contraponto com a postura inicial em "Deixaste cair...", a frase acima tem algumas informalidades que talvez tenha passado despercebidas, como o verbo fazer, que, ao referir-se a um tempo passado, deve ser escrito no singular, portanto: "Faz três meses...". Apesar de ser normal as pessoas falarem Fazem três meses, tu peca, a meu ver, porque na mesma frase, a postura informal é substituída por outra, formal, ao fazer uso do pronome "consigo".
    Se optasse por ser formal, a frase talvez ficasse melhor assim: "Se faz três meses, já deverias ter-se acostumado a carregar consigo estes preparados." Ou, sendo informal: "Se fazem três meses, já devia ter se acostumado a carregar esses preparos contigo." No decorrer do diálogo inteiro, há essas variações. Percebi (embora possa estar equivocado), que tu tentou organizar a personagem masculina com um tanto mais de rebuscamento, mas acabou não mantendo isso por igual no desenrolar da história, pois as variações citadas no exemplo que acabei de dar se repetem ao longo do texto.
    Apesar disso, gostei do desenvolvimento das personagens e do conteúdo do diálogo travado entre os mesmos.

    Espero não ter ofendido, abraço.

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    1. *talvez optar por uma postura ou outra enriquecesse mais o texto.
      *talvez tenham passado despercebidas (...)

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